Ney Matogrosso sobre disco com jovens compositores: "achei que soaria juvenil"

11/12/2013 21:22

Quarenta anos depois de Secos & Molhados, disco que o lançou na carreira musical, Ney Matogrosso não quer saber de comemorações. Afinal, ele que continua “tocando o barco”, como disse ao Terra na última semana, procurando coisas mais interessantes para fazer, como shows e discos. E, principalmente por não olhar para trás, que um dos cantores mais prestigiados da MPB é atento com o que acontece ao seu redor. Principalmente quando a tarefa foi encontrar jovens compositores para seu novo álbum, Atento aos Sinais, recém-lançado pela Som Livre. Das 14 faixas, oito foram compostas por artistas até então desconhecidos do grande público, como Dani Black, Beto Boing, Vitor Pirralho e Vitor Ramil.

 

“São pessoas que gosto e admiro”, disse Ney. “Acho que eles têm uma maneira interessante de falar das coisas, maneira que eu achei, talvez, que pudessem estranhar ao me verem falando. Achei que poderia soar muito juvenil, sabe. Mas não teve esse questionamento e eles [público] gostaram.”

 

Porém, como o próprio Ney disse, brigar por liberdade, igualdade e justiça não são só intrínsecos à juventude. Ele mesmo, aos 72 anos, nunca deixou de fazer. E com esses temas sobre mudanças, revoluções e lutas cantados desde fevereiro em turnê, e que depois virou disco, o artista registrou seu olhar sobre as revoltas populares que acontecem no mundo – inclusive no Brasil.

 

“Eu acho, que num primeiro momento, eu estava me referindo ao mundo, a esse momento da humanidade. Mas em junho ficou comprovado que nós não estamos à parte”, explicou Ney, que também apontou os Black Blocs como o principal motivo de afugentar a população das ruas e esfriar os protestos. “Eles confundiram tudo, né”.

 

Confira a entrevista completa de Ney Matogrosso:

 

Terra - Oito faixas de seu novo disco vêm de artistas jovens. Como você os encontrou?
Ney Matogrosso - De várias maneiras. A banda Tono foi pela internet, que eu ouvi e gostei muito da primeira música do disco. O Vitor Pirralho eu vi uma matéria em um jornal de Maceió, no dia que estava indo embora após um show, gostei do assunto que li e pedi para a produtora local me contar em contato com ele. O Beto Boing eu conheci ai em São Paulo, eu fui ver um show e eles me deram um disco, eu gostei e ficamos conversando. O Dani Black [filho de Tetê Spíndola] eu conheço desde pequenininho. Eu também recebo muito material de muito artistas por onde vou.  

 

Terra - Parece que você acompanha a música atual.  O que você acha desses novos artistas nacionais?
Ney Matogrosso - Eu não sou uma pessoa que ouve muita música, não. Em casa, quase não ouço. Eu ouço muito quando estou com o rádio ligado, dirigindo. Por isso eu não posso ter uma opinião sobre a nova geração, eu posso ter sobre essas pessoas que eu acabei encontrando, e eu gosto e admiro. Acho uma maneira interessante de falar as coisas, maneira essa que eu achei talvez que pudesse me estranhar falando essas coisas . Achei que poderia soar muito juvenil, sabe. Mas não teve esse questionamento e eles [público] gostaram.”

 

Terra - Alguma músicas de Atentos aos Sinais tem um grande teor de protesto e luta pela liberdade, algo que a gente viu no Brasil este ano. Mas você canta essas canções desde o início do ano. Você já sentia que alguma coisa iria estourar por aqui?
Ney Matogrosso - Eu estava atento ao que estava acontecendo no mundo, porque naquele momento [fevereiro] não acontecia nada disso aqui, mas no mundo já estava. Então eu acho que num primeiro momento eu estava me referindo ao mundo, a esse momento da humanidade. Mas em junho ficou comprovado que nós não estamos à parte.

 

Terra - E agora que os protestos parecem ter dado uma acalmada, qual é a análise que você consegue interpretar disso? Você acha que elas resolveram alguma coisa, ou começaram a resolver?
Ney Matogrosso - Acho que não se resolveu nada e espero que não tenha se acalmado. Que seja apenas uma trégua. Mas eu acho que o que na verdade proporciona essa falsa aparência é porque os Black Blocs confundiram tudo. Então aquele um milhão de pessoas pacíficas na rua não quer se envolver com esse tipo de coisa. Mas não acredito que esteja pacífico não.

Os Black Blocs confundiram tudo. Então aquele um milhão de pessoas pacíficas na rua não quer se envolver com esse tipo de coisa

Ney Matogrosso

 

Terra - E você acredita estar vendo pelo menos algum progresso?
Ney Matogrosso - 
Não, eu não vejo nenhum progresso. O único progresso que vi foi aquele deles voltarem atrás na Câmara, que a população conseguiu fazer com que eles retrocedessem em algumas coisas. Mas foi só, nada substancial, sabe.

 

Terra - Esse trabalho surgiu primeiro como uma turnê e depois virou um disco. Seus 40 anos de carreira foi o motivo para esse registro?
Ney Matogrosso - 
Não, não. Eu não estava nem preocupado com isso, eu não fico festejando essas coisas. Eu estou tocando meu barco, né. Então esse é mais um passo. O disco foi uma ideia minha, mas não tem nada a ver com 40 anos de carreira.

 

Terra Houve mudanças na transição de um show ao vivo para o disco? Como foi a gravação?
Ney Matogrosso - No estúdio, o técnico que trabalhou com a gente teve muita liberdade. Ele ofereceu muitas coisas, algumas eu aceitei porque eu achava que cabia e outras não, mas eu acho que o disco saiu diferente do que era o show. Porque ganhou um acréscimo, acréscimo esse que eu mantenho agora.

 

Terra - A turnê foi financiada por um edital Natura Musical. Você acredita que sem essa ajuda um artista não consegue mais fazer um show sem prejuízo?
Ney Matogrosso - 
Claro que consegue. Mas nesse momento eu fui experimentar isso, já que é disponível para todos. Então eu fui ver como funciona isso. Agora, também te digo: se não tivesse, eu faria da mesma maneira. Claro que ter a Natura naquele momento de montar o show é um alívio, porque você não precisa meter a mão no seu bolso para tudo, né. Mas eu faria de qualquer maneira, te digo que foi confortável fazer com eles.

 

Terra - E após 40 anos de carreira qual é o seu maior desafio como artista hoje?
Ney Matogrosso - 
O desafio é o mesmo sempre: vai mudando o mundo, vai mudando o tempo, vai mudando a hora e o lugar, mas o desafio de criar coisas interessantes é o mesmo. Eu pretendo estar sempre apresentando coisas interessantes para o público. Eu parto do principio: “para que eu ache que o público possa achar algo interessante, tem que ser interessante primeiro para mim”.

 

Terra - E está mais difícil trazer coisas interessantes para o público?
Ney Matogrosso - 
Não. Eu escuto as pessoas disserem que está muito difícil, mas eu acho que está difícil para quem não corre atrás, quem não procura.

 

Terra - Cazuza recentemente ganhou um holograma para um show especial. Você se importaria se fizesse isso com você após sua morte? O que você acha disso?
Ney Matogrosso - 
Quando eu for, se quiserem fazer, tem muita imagem que eles podem usar. Agora, eu acho estranho ver a “alma”. Já tinha aquela história do Michael Jackson, eu acho esquisito isso, sabe. No caso do Michael Jackson para mim fica muito claro que é um oportunismo da família, porque aquela família é sanguessuga.

 

Terra - E em relação ao Cazuza, você considera um oportunismo?
Ney Matogrosso - 
Não, é outra coisa. São outras pessoas envolvidas na história. Eu acho que isso é uma tecnologia que as pessoas começam a lançar mão dela. Mas não sei, para mim não chega a ser um atrativo que faça eu sair da minha casa para ver, sabe.

Naquela época não havia uma manifestação artística similar no Brasil

Ney Matogrosso sobre agressividade do Secos & Molhados

 

Terra - Você já disse que jovens conhecem você devido ao camarada intenso que foi na época do Secos & Molhados. Qual é a diferença dele para você hoje?
Ney Matogrosso - 
Não era muito diferente. Quer dizer, ele era muito diferente naquele momento, naquela época não havia uma manifestação artística similar no Brasil. Então, naquele momento era, inclusive, uma maneira muito agressiva de estar presente, por causa do contexto político do momento.

 

Terra - O livro que conta a história dos Secos & Molhados, Memórias de um ex-Secos & Molhados, do Gerson Conrad, teve problemas com direitos autorais por causa do letrista João Ricardo. O que você acha dessa polêmica entre a defesa do privado e o interesse público de pessoas notórias?
Ney Matogrosso - 
Eu acho que tudo bem fazer biografia, não há problema. Mas eu acho que você tem que ter respaldo com a Justiça se você se sentir de alguma maneira ofendido, desrespeitado. E também, acho que se isso virar alguma coisa maior, tipo filme ou alguma coisa para a televisão, a pessoa biografada tem que receber seus direitos.

 

Fonte: Terra.com.br

—————

Voltar